Em Mateus 28:19, encontramos o verbo grego πορευθέντες (poreuthentes), comumente traduzido como “ide”. Ouvimos demais que temos que obedecer ao “ide” de Jesus. Mas poreuthentes não é um imperativo. A sua tradução precisa é “tendo ido”. Uma vez tendo ido a todos os lugares, devemos fazer lá o que o Senhor mandou. E o que ele mandou?

μαθητεύσατε (mathēteusate), “discipulai (todas as nações)”. Traduzir esse imperativo como “Fazei discípulos” é impreciso. E a razão para essa escolha é dupla. Primeiro, para se evitar a ideia de “batizar nações“, usa-se “batizar discípulos”. Não se batizam nações, alega-se, mas pessoas.

A segunda razão é a inexistência do verbo “discipular” nos dicionários de língua portuguesa, inglesa etc. Donald McGavran usa um recurso interessante, nesse caso, em The Bridges of God (“As Pontes de Deus”), que é usar o verso “discipulai” como um termo técnico, justificando, assim, o seu uso: “A palavra grega é, realmente, ‘discipulai’; assim, ao longo deste livro nós usaremos o verbo ‘discipular’ como um termo técnico,”[1]

Mas há uma alternativa legítima, que tem também sido usada, que é traduzir mathēteusate como “ensinai (todas as nações)”. Afinal, “discipular” uma pessoa é ensiná-la o que ela precisa saber. Não há problema em que o verso 20, “[…] ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado […]”, “ensinando” venha de outro verbo, διδάσκοντες (didaskontes).

O tradutor pode preferir usar “discipulai”, sem sequer cogitar que o usa como um termo técnico, não natural, forçando assim o uso do verbo que não está dicionarizado, mas eventualmente se tornará. Aliás, o verbo discipular é comumente (forçadamente) usado em programas de discipulado.

Mas “discipular(/ensinar)/batizar nações? A objeção de que nações não são batizadas como tais é abstrata, como se houvesse o risco prático de batismo simbólico de nações.

Mas o caso se resolve de outro modo. O que Mateus registrou foi: “Tendo ido, discipulai as nações, batizando-os e ensinando-os a observar/guardar […]”. Discipulá-las, batizando-os, ensinando-os? Sim. Discipular as nações, batizando/ensinando os indivíduos delas. Esse é um fenômeno linguístico chamado, em latim, constructio ad sensum, ou seja, “construção pelo sentido”. A. T. Robertson observou: “Algumas vezes, não há nenhuma referência imediata no contexto para o pronome. A narrativa é comprimida e nós temos que prover o sentido.”[2] No caso de Mateus 28, o pronome autous (αὐτούς), masculino, representa os indivíduos da nações.

Assim sendo, não seria absurdo, para evitar, em nossa língua, o incômodo do pronome oblíquo divergente, que a tradução fosse “Tendo ido, discipulai todas as nações, batizando os seus indivíduos […]”. Afinal, pronome representa nome.

[1] United Kingdom: World Dominion, 1955. p. 13. Tradução nossa.
[2] A Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Reserach. Nashville, Tennessee: Broadman, 1934. p. 683. Tradução nossa.