Como Deus Vê o Novo Casamento de Um(a) Crente Divorciado(a)?

O Senhor ensinou: “Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar [em grego, ἀπολύω, “divorciar”, “repudiar”] sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério [faz com que ela cometa adultério]” (Mateus 19:9). É como se a formulação do verso fosse esta: “[…] qualquer que repudiar sua mulher, por causa de adultério dela, e casar com outra, não comete adultério.”

Se um homem se divorciar de sua mulher, ou o contrário, por ela ter cometido adultério, um novo casamento dela é adultério, mas o novo casamento dele, não. O adultério pelo segundo casamento é da parte adúltera.

O problema do novo casamento de um cristão divorciado é sério, do mesmo modo que a simples imaginação de adultério de quem não se divorciou: “Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela” (Mateus 5:28).

O que diz o apóstolo Paulo sobre o rompimento do casamento? “Todavia, aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique sem casar ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher” (1 Cor. 7:10–11). Naturalmente, há de se levar em conta aqui as palavras de Jesus, segundo Mateus, das quais Paulo não trata: está livre para casar o cônjuge cujo divórcio foi causado pelo adultério da outra parte.

Jeremias 3 apresenta o desgosto de Deus com a idolatria de Israel – um adultério religioso que levou a um divórcio. Porém, como veremos, a suprema vontade de Deus, onde há traição, é o perdão e a reconciliação (que pode não ser aceita pela parte iníqua). Foi impressionante o que Deus disse:

“Ora, tu te maculaste com muitos amantes; mas, ainda assim, torna para mim, diz o Senhor.” (v. 1)

“[…] mas tu tens a testa de uma prostituta e não queres ter vergonha.” (v. 3)

“Eis que tens dito e feito coisas más e nelas permaneces.” (v. 5)

 Apesar de tudo, Deus ainda diz, “mas, ainda assim, torna para mim”. Isso é amor em seu mais elevado grau.

“Disse mais o Senhor nos dias do rei Josias: Viste o que fez a rebelde Israel? Ela foi-se a todo monte alto e debaixo de toda árvore verde e ali andou prostituindo-se. E eu disse, depois que fez tudo isto: Volta para mim; mas não voltou.” (vv. 6–7)

Então Deus disse:

“[…] por causa de tudo isso, por ter cometido adultério, a rebelde Israel despedi e lhe dei o seu libelo de divórcio […]” (v. 8)

“Deveras, como a mulher se aparta aleivosamente do seu companheiro, assim aleivosamente te houveste comigo, ó casa de Israel, diz o Senhor.” (v. 20)

Aconteceu aqui o que Jesus disse em Mateus 19:9, a saber, divórcio praticado em virtude de adultério (impenitente).

Felizmente, Israel se arrependeu e foi acolhido pelo Senhor: “Voltai, ó filhos rebeldes, eu curarei as vossas rebeliões. Eis-nos aqui, vimos a ti; porque tu és o Senhor, nosso Deus” (v. 22)

Quando dois não querem separação, separação não há. Quando dois querem reconciliação, reconciliação há. Deus é o nosso exemplo de misericórdia e perdão. Mas quando um não quer, dois não se reconciliam.

Caberia aqui a pergunta que os discípulos fizeram em outro contexto (de Jesus afirmando que dificilmente entrará um rico no reino dos céus): “Quem pode, então, ser salvo?” (Mateus 19:25). E a resposta de Jesus lá também se aplicaria aqui: “Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível” (v. 26).

Nós não conseguimos cumprir perfeitamente as expectativas de Deus. Acertamos aqui e falhamos ali. E assim vamos. Então, como podemos receber as bênçãos divinas? A resposta de Jesus seria: é impossível se depender de nosso mérito. Todavia, o que é impossível aos homens é possível a Deus: abençoar-nos, apesar de nossas fraquezas, contanto que sejamos humildes e contritos. Isso é a graça.

“Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hebreus 4:15). Esse verso diz muito mais dos que percebemos comumente. Jesus não pecou, de modo que ele Deus o ouve plenamente. E ele intercede por nós, que não conseguimos não pecar completamente. É nele que podemos contar com a misericórdia de Deus para os nossos pecados.

O apóstolo João escreveu: “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (I João 2:1). O apóstolo tinha que nos exortar a não pecar. Assim como Jesus requereu que sejamos perfeitos como Deus é perfeito. Isso dito, João acrescenta o grande consolo da misericórdia divina para nós, fracos como somos: “[…] mas, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo.” Graças a Deus, podemos contar com o Senhor para defender-nos de nossa culpa e, pela santidade dele, nos livrar da condenação e assegurar a bênção divina. E não há razão para supor-se que isso não se aplica aos irmãos que casaram novamente após o divórcio, para ficar somente nesse caso.

O apóstolo Paulo escreveu em 1 Coríntios 6:911, que devassos, idólatras, ladrões, avarentos, maldizentes, adúlteros etc. não “herdarão o Reino de Deus”. Porém ele acrescenta que “mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus e pelo Espírito do nosso Deus”. Essa santificação significa naturalmente que os pecados listados foram abandonados. No caso de adultério, como entender a santificação e a justificação, se há continuidade da relação originada em adultério? Pode ser que Paulo se refira aos devassos que se entregam ao adultério costumaz e vicioso. É muito forte sustentar que cristãos que se casaram após divórcio por razões outras que o adultério não herdarão o reino de Deus.

John Piper escreveu: “Embora não seja o estado ideal, permanecer em um segundo casamento é a vontade de Deus para um casal e suas relações contínuas não devem ser vistas como adúlteras.”1 É difícil entender isso. Mas não deve ser difícil entender isto: “Um crente divorciado e/ou recasado não deve se sentir menos amado por Deus, mesmo se o divórcio e/ou novo casamento não for coberto pela possível cláusula de exceção de Mateus 19:9.”2

Porque “o Senhor é cheio de terna misericórdia e compassivo” (Tiago 5:11). “As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim” (Lam. 3:22). “Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida” (Salmos 23:6).

Disse o profeta Malaquias:

“Ainda fazeis isto: cobris o altar do Senhor de lágrimas, de choros e de gemidos; de sorte que ele não olha mais para a oferta, nem a aceitará com prazer da vossa mão. E dizeis: Por quê? Porque o Senhor foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira e a mulher do teu concerto. […] e ninguém seja desleal para com a mulher da sua mocidade. Porque o Senhor, Deus de Israel, diz que aborrece o repúdio e aquele que encobre a violência com a sua veste, diz o Senhor dos Exércitos; portanto, guardai-vos em vosso espírito e não sejais desleais.” (2:13–16)3

O texto fala das lágrimas e gemidos de mulheres que foram repudiadas por seus maridos. O divórcio retratado no texto é o repúdio gratuito, não causado por infidelidade, que deixa a mulher em prantos. J. C. Baldwin comentou, “o divórcio é igual a cobrir de violência as suas vestes, uma expressão que configura todo tipo de injustiça grosseira que deixa marcas que todos podem ver […]”4 A versão inglesa da Nova Versão Internacional traz o verso assim: “‘O homem que odeia e se divorcia de sua mulher’, diz o Senhor, o Deus de Israel, ‘faz violência a quem deveria proteger, diz o Senhor Todo-Poderoso. Portanto, fique atento e não seja infiel’.”

O texto não fala de divórcio por adultério da mulher, pelo que se deduz que o mesmo se refere ao ato de repudiar a mulher por qualquer motivo. Esse divórcio, tratado como violência, é a infidelidade ao pacto de lealdade nas núpcias. O divórcio “por qualquer motivo” é infidelidade e violência.

Vamos avançar mais, perguntando: o divórcio que permite, diante de Deus, um novo casamento à parte traída em um adultério, contempla exclusivamente o pecado do adultério em si ou pode o adultério representar um campo semântico de maldade que preveja a violência física, psicológica e moral, o abandono em condições críticas, a infidelidade aos votos conjugais de consideração, companheirismo etc.? A infidelidade pode ser externa, envolvendo uma terceira pessoa, ou também vale, para Jesus, a infidelidade interna, em que o cônjuge é desprezado, humilhado e maltratado?

Nesse caso, parece-nos menos condenável o novo casamento de um cônjuge cujo divórcio não foi causado necessariamente por adultério, mas por maus tratos ou indiferença, do que o casamento que se mantém, mas é marcado por abandono, maus tratos, falta de consideração etc. Casamento sem amor não é casamento.

 

Dom de Línguas: O Que o Novo Testamento Realmente Diz

O apóstolo Paulo 12:10 escreveu: “[…] e a outro, a variedade de línguas; e a outro, a interpretação das línguas.” A que lhes parece que o apóstolo se refere quando fala de “variedade de línguas” e “interpretação de línguas”? Idiomas ou as ditas “línguas estranhas” deixadas inexplicadas nos cultos pentecostais e neopentecostais?

A que Lucas se refere ao escrever que “todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (Atos 2:4); “cada um os ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?” (Atos 2:6–8); “todos os temos ouvido em nossas próprias línguas” (v. 11)? Idiomas ou as ditas “línguas estranhas” dos cultos pentecostais e neopentecostais?

Paulo também escreveu: “[…] o que fala línguas estranhas, a não ser que também interprete, para que a igreja receba edificação” (1 Coríntios 14:5). Por que os irmãos que falam naquela linguagem ininteligível, não interpretam para nós o que acabaram de falar? Ou seja. Falam daquele jeito e deixam a igreja sem a devida edificação.

O apóstolo diz ainda: “Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento” (1 Coríntios 14:15).

A linguagem ininteligível falada em cultos pentecostais não é traduzida. Mas Paulo escreveu: “Doutra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto o Amém sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes? Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado. […] Todavia eu antes quero falar na igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida (1 Coríntios 14:16–17, 19).

Paulo ainda argumentou de modo a liquidar a questão. Se eu orar em inglês ou espanhol, por exemplo, o meu entendimento se beneficia, porque sabe o que estou a dizer a Deus; mas, “se eu orar em língua estranha, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto” (1 Coríntios 14:14). Orar usando linguagem ininteligível deixa os outros sem edificação e nem a própria pessoa que ora se edifica, porque nem o seu próprio entendimento colhe qualquer fruto.

Por que o fenômeno de falar tais línguas estranhas não é universal, visto que muitos cristãos de denominações não pentecostais, que são verdadeira e reconhecidamente usados pelo Espírito Santo para diversos propósitos e em diversas situações, não se sentem compelidos a se manifestar desse modo?

Por tudo isso, nem perguntarei se essa prática de deixar linguagem ininteligível inexplicada é correta, nos termos das Escrituras.

“Tendo Ido…” – A Tradução de Mateus 28:19

Em Mateus 28:19, encontramos o verbo grego πορευθέντες (poreuthentes), comumente traduzido como “ide”. Ouvimos demais que temos que obedecer ao “ide” de Jesus. Mas poreuthentes não é um imperativo. A sua tradução precisa é “tendo ido”. Uma vez tendo ido a todos os lugares, devemos fazer lá o que o Senhor mandou. E o que ele mandou?

μαθητεύσατε (mathēteusate), “discipulai (todas as nações)”. Traduzir esse imperativo como “Fazei discípulos” é impreciso. E a razão para essa escolha é dupla. Primeiro, para se evitar a ideia de “batizar nações“, usa-se “batizar discípulos”. Não se batizam nações, alega-se, mas pessoas.

A segunda razão é a inexistência do verbo “discipular” nos dicionários de língua portuguesa, inglesa etc. Donald McGavran usa um recurso interessante, nesse caso, em The Bridges of God (“As Pontes de Deus”), que é usar o verso “discipulai” como um termo técnico, justificando, assim, o seu uso: “A palavra grega é, realmente, ‘discipulai’; assim, ao longo deste livro nós usaremos o verbo ‘discipular’ como um termo técnico,”[1]

Mas há uma alternativa legítima, que tem também sido usada, que é traduzir mathēteusate como “ensinai (todas as nações)”. Afinal, “discipular” uma pessoa é ensiná-la o que ela precisa saber. Não há problema em que o verso 20, “[…] ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado […]”, “ensinando” venha de outro verbo, διδάσκοντες (didaskontes).

O tradutor pode preferir usar “discipulai”, sem sequer cogitar que o usa como um termo técnico, não natural, forçando assim o uso do verbo que não está dicionarizado, mas eventualmente se tornará. Aliás, o verbo discipular é comumente (forçadamente) usado em programas de discipulado.

Mas “discipular(/ensinar)/batizar nações? A objeção de que nações não são batizadas como tais é abstrata, como se houvesse o risco prático de batismo simbólico de nações.

Mas o caso se resolve de outro modo. O que Mateus registrou foi: “Tendo ido, discipulai as nações, batizando-os e ensinando-os a observar/guardar […]”. Discipulá-las, batizando-os, ensinando-os? Sim. Discipular as nações, batizando/ensinando os indivíduos delas. Esse é um fenômeno linguístico chamado, em latim, constructio ad sensum, ou seja, “construção pelo sentido”. A. T. Robertson observou: “Algumas vezes, não há nenhuma referência imediata no contexto para o pronome. A narrativa é comprimida e nós temos que prover o sentido.”[2] No caso de Mateus 28, o pronome autous (αὐτούς), masculino, representa os indivíduos da nações.

Assim sendo, não seria absurdo, para evitar, em nossa língua, o incômodo do pronome oblíquo divergente, que a tradução fosse “Tendo ido, discipulai todas as nações, batizando os seus indivíduos […]”. Afinal, pronome representa nome.

[1] United Kingdom: World Dominion, 1955. p. 13. Tradução nossa.
[2] A Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Reserach. Nashville, Tennessee: Broadman, 1934. p. 683. Tradução nossa.

O Cristão e o Vinho. Jesus Transformou Água em…

O apóstolo Paulo recomendou que as anciãs cristãs “sejam sérias no seu viver, como convém a santas […] não dadas a muito vinho […]” (Tito 2:3). Sim, está no texto grego: “οἴνῳ πολλῷ”. Seriedade, santidade e moderação. O apóstolo também recomendou que os diáconos não sejam dados a “muito vinho”. Também está no texto grego: “οἴνῳ πολλῷ” (1 Timóteo 3:8). Não é necessário que tentemos ser mais apostólicos do que o apóstolo; aliás, é impróprio.

Há quem defenda que o vinho, nos tempos bíblicos, tinha uma elevada taxa de diluição com água. Nesse caso, não era preciso haver grande preocupação com a embriaguez. Outra ideia é que o vinho “bíblico” não era fermentado; ou seja, era suco de uva. Também nesse caso, nenhum autor bíblico sequer precisaria se preocupar em condenar a embriaguez. George Arthur Buttrick comentou sobre Deuteronômio 14:26: “Alguns, no movimento de temperança, têm mantido que o vinho bíblico era não-fermentado e nunca intoxicante. A palavra hebraica shēkhār (bebida forte), no entanto, definitivamente contradiz esta opinião. […] A Bíblia contém material adequado para o ensino da temperança, sem a necessidade de interpretá-la mal injustificadamente.”[1]

Jesus e sua mãe foram a um casamento em Caná da Galileia. “E, faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm vinho” (João 2:3). “Disse-lhes Jesus: Enchei de água essas talhas. E encheram-nas até em cima. E disse-lhes: Tirai agora e levai ao mestre-sala. E levaram” (vv. 7–8).

Eu ouvi um dono de um bar dizer que doses seguintes de cachaça, que ele serve a seus fregueses, “têm mais água que cachaça; porque os caras já não conseguem saber que não é cachaça pura”. No caso do milagre feito por Jesus, “logo que o mestre-sala provou a água feita vinho (não sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os empregados que tinham tirado a água), chamou o mestre-sala ao esposo. E disse-lhe: Todo homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então, o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho” (vv. 9–10). Segundo o mestre-sala, todo mundo serve vinho bom no início da festa e vinho ruim no final, “quando já têm bebido bastante”; mas o dono da festa, segundo o mestre-sala, guardou o melhor vinho para o final da festa. Na verdade, o moço não fez exatamente isso. O melhor vinho foi oferecido por Jesus.

Certa vez, um jovem senhor me disse: “O meu Jesus não transformaria água em alguma coisa que embebedasse.” E um pregador disse: “Se houvesse vinho naquela festa, Jesus não teria ido lá.” Mas qual seria o sentido de o mestre-sala dizer que todo mundo oferece vinho inferior, quando todos já beberam bastante, se não que a embriaguez esteja implicada? Que sentido faria se o texto estivesse falando de vinho bem diluído ou de suco de uva, tanto no caso do vinho servido no início da festa, quanto do vinho que Jesus providenciou?

[1] The Interpreter’s Bible. Leviticus. Numbers. Deuteronomy. Joshua. Judges. Ruth. Samuel. v. 2. Nashville: Abingdon-Cokesbury, 1951. pp. 425–426. Tradução nossa.

“Sou Feliz”: A Dramática História por Trás do Queridíssimo Hino

A história amplamente contada e pouco conhecida em seus detalhes. Baseada no livro Nossa Jerusalém, escrito pela filha do casal Spafford, Bertha, que nasceu depois da morte das quatro irmãzinhas no naufrágio. O meu exemplar do livro está autografado por ela. Baseada adicionalmente na obra do pastor francês N. Weiss, que sobreviveu ao naufrágio: Personal Recollections of the Wreck of the Ville-du-Havre and the Loch-Earn (“Recordações Pessoais do Naufrágio do Ville du Havre e do Lochearn”), traduzido do francês e publicado em 1875.

A biografia da família Spafford, escrita pela quinta filha de Horatio e Anna, nascida após a morte das quatro primeiras, no naufrágio do Ville du Havre. Cópia autografada pela autora. (Raridade de minha biblioteca)

Horatio G. Spafford, um advogado distinto e própero, e sua mulher, Anna – cristãos dedicados, piedosos e generosos – sofreram um desastre financeiro, causado pelo Grande Incêndio de Chicago, em 1871. Horatio tinha investido pesadamente em terras, antecipando-se ao crescimento da cidade. Mas o investimento fracassou, por causa do catastrófico incêndio. A saúde de se deteriorou, de forma que, tomando o conselho do médico que cuidava dela, a família decidiu fazer uma viagem à Europa.

Entretanto, justamente antes de eles deixarem Chicago, um homem fez uma oferta para comprar parte das terras nas quais Horatio tinha investido. A venda o aliviaria de quase todo o seu endividamento, causado pelo fracasso do investimento. Mas o casal decidiu que a viagem não seria adiada. Anna, suas quatro filhas e a governante francesa, senhorita Nicolet, seguiriam como planejado. Horatio se juntaria a elasmais tarde, na França. As pequenas meninas eram Annie, Margaret Lee (Maggie), Elizabeth (Bessie) e Tanetta.

Mas antes que o navio Ville du Havre partisse, Horatio recebeu um telegrama com a notícia desconcertante da morte súbita do homem interessado em comprar parte de sua propriedade. Anna estava tão frágil – e havia a tensão adicional da iminência de sua primeira viagem sem o marido – que Horatio pôs o telegrama no bolso, não contando nada sobre a má notícia, de modo a não deprimi-la ainda mais.

Quatro pastores franceses estavam retornando ao seu país no mesmo navio: Reverendos Lorriaux, Weiss, Blanc e Cook. Horatio pediu ao Rev. Lorriaux para cuidar de sua família. A senhora Goodwin, uma querida amiga de Anna, juntou-se ao grupo com os seus três filhos – Goertner, Julia e Lulu. Anna também levou consigo Willie Culver, filho de outros amigos, que visitaria seus avós na Alemanha.

Aconteceu que, por volta das duas horas da madrugada de 22 de november de 1873, um veleiro de ferro, o Lochearn colidiu com o Ville du Havre. Anna, carregando Tanetta, que tinha mais de dois anos naquele tempo, correu no convés como a senhorita Nicolet e as outras três meninas. O reverendo Lorriaux juntou-se a elas. “Tanetta era pesada e Annie pôs o seu ombro sob o cotovelo da mãe, para ajudar a levantar o peso dela.”[i] Que menina amável! Uma pequena serva. Então o reverendo Weiss uniu-se ao grupo.

A senhora Goodwin, seus filhos e Willie Culver não puderam alcançar o convés. Maggie, segurando a mão do Rev. Weiss, olhou para o seu rosto e lhe pediu para orar. Suas irmãs pediram o mesmo à sua mãe e ao Rev. Lorriaux. Eles oraram pela compaixão de Deus. O Rev. Weiss, que sobreviveu, contou posteriormente, em seu livro sobre a tragédia, que a pequena menina, que estava muito assustada e agitada inicialmente, exclamou: “Oh! Tudo está bem agora.”[ii] Ela estava agora “calma, resoluta.”

Annie urgiu com Maggie e sua mãe, a quem ela estava ainda ajudando a sustentar Tanetta, a não ficarem com medo, mas a ficarem confiantes no cuidado de Deus. O grupo afundou junto. O Ville du Havre afundou apenas doze minutos após a colisão. A senhorita Nicolet e as quatro meninas Spafford pereceram. Anna e os quatro pastores foram resgatados, com outros sobreviventes, pelos marinheiros do Lochearn.

O pastor Lorriaux não sabia nadar, mas se agarrou a destroços do navio. Anna “tinha rolado under and down, e quando ela veio inconsciente à superfície, uma prancha flutuou sob ela, salvando a sua vida.”[iii] Estiou-se que ela permaneceu no mar por uma hora.

Ela soube que duas de suas meninas se agarraram às roupas de um homem americano, um bom nadador, que esperava salvá-las. Mas a menor desapareceu e quando ele estava alcançando um barco, a outra afundou também. Uma menina de nove anos que, agarrada a um pedaço de madeira, gritava insistentemente que não queria se afogar, foi a única criança salva. Por volta das quatro horas da manhã, aproximadamente duas horas após o naufrágio, mais nenhum sobrevivente foi encontrado. Duzentas e vinte e seis vidas perdidas.

Três dias após o naufrágio, mas desconhecedor dele, Horatio escreveu uma carta a Anna, na qual ele disse: “Se o Senhor nos guardar, esperamos estar todos juntos novamente, antes que se passem muitos meses, entendendo melhor que nunca a grandeza de Sua misericórdia nos muitos anos do passado.”[iv] Então ele mencionou as suas filhas: “Quando você escrever, conte-me tudo sobre as crianças. Quão grato eu sou a Deus por elas! Possa Ele nos fazer pais fiéis, tendo os olhos apenas em Sua glória. Annie e Maggie e Bessie e Tanetta – é uma doce consolação até mesmo escrever seus nomes. Possa o querido Senhor guardar e sustentar vocês.”[v] Anna recebeu a carta semanas mais tarde, na França.

Aproximadamente uma semana depois de escrever a carta, Horatio recebeu a primeira notícia sobre a sua família. De acordo com Bertha, o telegrama de sua mãe, do País de Gales, para o seu pai consistia de duas palavras: “Salva sozinha.”[vi] Porém, de acordo com o telegrama conservado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América, a mensagem inteira é como se segue: “Salva sozinha o que devo fazer. A senhora Mrs Goodwin filhos Willie Culver perdidos irei com Lorriaux até que o retorno responda”

Horatio viajou para encontrar a sua mulher, acompanhado com o Sr. Goodwin, que tinha perdido sua esposa e filhos. Em um dado momento, o capitão os chamou à sua cabine privativa e lhes falou de sua crença que eles estavam passando pelo lugar do naufrágio. Isto foi a precisa sementeira do hino altamente apreciado “Está Tudo Bem com a Minha Alma” [“Sou Feliz”, como diz o título do hino adotado em português], o qual Horatio deu tão dolorosamente ao mundo.

Cerca de um mês mais tarde, Anna escreveu a uma amiga, wrote to a friend, na noite de natal:

Sim, Mary, todas foram para o Lar, tão cedo. Quão grata eu sou porque suas pequenas vidas foram tão cedo dedicadas ao seu Mestre. Agora, Ele as chamou para si. Eu pensei que eu estava indo também, mas minha obra não está ainda acabada. Possa o querido Senhor me dar força para fazer a Sua vontade. As queridas crianças eram tão corajosas. Elas morreram orando. Annie disse a Maggie e eu justamente antes que fôssemos varridos do navio, “Não fique assustada, Maggie, Deus cuidará de nós; nós podemos confiar nele. E você sabe, mamãe, ‘O mar é dele e Ele o fez.’ Estas foram as suas últimas palavras. Maggie e Bessie oraram tão docemente. Eu tenho muito para me confortar, Mary. Elas não estão perdidas; apenas separadas por um tempo. Eu irei a elas – somente uns poucos anos, no mais tardar.[vii]

Agora, as questões intrigantes que histórias como essa levantam em nossas mentes: Como poderia o Rev. Weiss possivelmente afirmar posteriormente que “a oração funciona”, se ela funcionou para ele, que foi salvo, mas não para Maggie, por exemplo, que lhe pediu para orar… e morreu? Por que a sua oração foi respondida como se ele tivesse dito “Socorre alguns de nós? É o protocolo geral de Deus escolher deliberadamente quem será salvo e quem perecerá em uma tragédia?

Deus salvou todos os quatro pastores franceses, um pelo menos dos quais, Rev. Lorriaux, não sabia nadar. Anna subiu inconsciente à superfície e foi salva por uma prancha que flutuou sob ela. Ela não teve nenhuma participação em sua própria salvação, que não dependeu de sua força ou habilidade. Ela estava inconsciente. Mas por que Deus não providenciou outras pranchas salvadoras para as suas quatro filhas? De acordo com o Rev. Weiss, um pequeno bebê foi visto em uma tina, a qual o mar virou antes que ele pudesse ser alcançado.[viii] Deus não salvou também uma pequena menina, a única criança salva, usando um pedaço de madeira? Por que não outras crianças também?

Segundo o Rev. Weiss, um jovem homem tinha ridicularizado a filha mais velha de Anna, Annie, quando ela estava lendo um livro de edificação: “Oh! Você é uma pequena menina devota!”[ix] Tendo sobrevivido, ele contou à mãe enlutada que ele tinha mudado a sua mente. Quando ele estava afundando, ele sentiu os seus joelhos dobrarem contra a sua vontade e uma voz clamou em seu coração: “Ó, Deus! Salve-me! Ele me ouviu”. Ele acrescentou, “e agora eu creio nele.” Como poderia aquele moço fazer sentido do fato de que Annie também cria em Deus, mas morreu?

Bertha, nascida mais tarde a Horatio e Anna, reporta que suas quatro “pequenas irmãs” amavam Dwight L. Moody, o grande evangelista e amigo íntimo da família, e que ele, tendo entrevistado Annie e Maggie, quando elas expressaram o seu desejo de se unir à igreja, disse ao ministro: “Estas crianças sabem mais do que eu sei.”[x] Bertha também conta que, nas visitas da família ao vizinho Hospital Naval, onde Horatio conduzia encontros religiosos sob os auspícios do YMCA (Associação Cristã de Moços), as pequenas meninas levavam frutas e flores. Por que cargas d’água não deviam as vidas de tais crianças ser preservadas? Além de seu valor como “pequenas meninas profundamente religiosas”[xi], elas não prefiguravam mulheres de caráter espiritual influente?

O Lochearn resgatou os sobreviventes do Ville du Havre. Mas ele estava danificado também. Um outro navio, o pequeno Trimountain, foi levado por misteriosas razões ao lugar do desastre. O captain Urquhart disse: “Eu creio que eu estava sob algum controle sobrenatural naquela noite.”[xii] Divine providence.

Quarenta e sete sobreviventes do Ville du Havre e a tripulação do Lochearn foram transportados para o Trimountain. O Rev. Blanc, muito doente, ficou para trás. O Rev. Cook ficou voluntariamente com ele. Quando a condição do Lochearn se tornou mais crítica, os poucos homens que tinham permanecido nele foram resgatados pelo navio British Queen. O Rev. Weiss escreveu que um oficial desse navio contou que a tempestade o forçou a mudar a direção duas vezes durante a noite. Isto o levou inconscientemente ao Lochearn. O Rev. Cook replicou: “É absolutamente natural, você tinha que vir para o nosso lado.”[xiii] Providência divina. O Rev. Weiss acrescentou: “É muita sorte que vocês chegaram tão oportunamente, porque se nós tivéssemos que descer aos barcos a remo durante a tempestade, nós estaríamos no fundo do mar por um longo tempo.”[xiv] Oficiais e vários marinheiros do Lochearn, que foram resgatados pelo British Queen, disseram ao Rev. Cook: “É realmente graças a suas orações que nós fomos salvos; Deus respondeu suas orações.”[xv] Divina providência.

Mas atribuiríamos à vontade de Deus a salvação de alguns que oraram e a morte de outros que também oraram?   Aqueles homens consideraram a sua salvação um resultado da oração, isto é, da vontade de Deus. Isto implica que a morte daqueles que também suplicaram por salvação foi igualmente da vontade de Deus. O Rev. Weiss contou sobre Anna: “Ela não consegue parar de chorar por suas crianças, mas acrescenta: ‘Deus me deu minhas quatro pequenas filhas, foi ele que as tomou de volta de mim. Ele me fará entender e aceitar a sua vontade.’”[xvi] Deus as tomou? Anna disse que Deus “chamou” as suas filhas para si. Foi a morte agonizante delas deliberadamente parte do modo de Deus chamá-las e tomá-las? Foi a agonia delas de sua vontade? Ou nós temos aqui exatamente a evidência de que nós não estamos lidando propriamente com a sua vontade, mas, antes, com um outro fator? Não é este um mundo amaldiçoado pelo pecado? Não é ele governado pelo diabo em usurpação?

As últimas palavras da pequena Annie foram uma confiante declaração de fé: “Deus cuidará de nós; nós podemos confiar nele.” Poderia ela ter pensado do socorro de Deus mais em termos espirituais que em termos das histórias bíblicas de grandes livramentos, comumente contadas a crianças? Poderia ela ter pensado, quando agonizava na água, que Deus estava cuidando dela? Sim, quando elas morreram, Deus as levou para casa. Mas uma coisa é que ele resgatou as suas almas, uma vez que este mundo caído as matou; outra coisa é que ele desejou a morte delas e a causou tão dolorosamente. Esta é a sutil diferença.

O Lochearn colidiu com o Ville du Havre e resgatou seus sobreviventes. O Trimountain apareceu e resgatou a maioria das pessoas a bordo do ameaçado Lochearn. Uns poucos homens ficaram para trás, que foram mais tarde resgatados pelo British Queen. Somente a divina providência poderia promover o Lochearn ser encontrado por dois navios salvadores na vastidão do oceano. Agora, que fator causativo somente poderia promover o trágico encontro do Ville du Havre e o Lochearn na mesma vastidão do oceano? Nós também falaremos da vontade de Deus nesse caso? Por que nós não atribuímos o bem a Deus e o mam ao diabo? Quanto à questão remanescente, por que Deus não salva sempre todos os seus filhos em sofrimento, como no caso do Ville du Havre e tantas tragédias e doenças todo o tempo, a resposta necessária é que, como nós insistimos, nós ainda não vivemos no novo céu e nova terra; nós ainda vivemos em um mundo amaldiçoado, cujas leis naturais foram viciadas pelo pecado. Nós sofremos porque somos alcançados pelos fragmentos daquela bomba chamada pecado, que explodiu no Éden.

Em sua carta a Anna, Horatio disse que “se o Senhor nos guardar” eles estariam todos juntos novamente, entendendo, melhor do que nunca, “a grandeza de Sua misericórdia nos muitos anos do passado.” Ele também escreveu: “Possa o querido Senhor guardar e sustentar e fortalecer vocês.” Visto que o Senhor não guardou todos deles, deveria Horatio deduzir que Deus foi impiedoso para com aqueles que morreram? Horatio não pensou assim, nem nós assim pensamos. Mas como fazer sentido disso? Vamos alinhar seis declarações sobre o papel de Deus naquelas mortes tanto quanto naquelas sobrevivências:

(a) Deus não os matou;

(b) Deus não desejou suas mortes;

(c) Eles morreram porque viveram neste mundo amaldiçoado pelo pecado, tornado um caos pelo seu dominador, o diabo;

(d) A ideia da impiedade de Deus é esvaziada por esta prévia declaração;

(e) Os fragmentos aleatórios da bomba do pecado, que explodiu no Éden não foram letais a todos, de forma que um grupo sobreviveu. Mesmo assim, aqueles fragmentos ainda os afetaria letalmente mais cedo ou mais tarde; e

(f) Apesar disso tudo, nós não temos qualquer direito de não sermos gratos a Deus quando a vida continua e não temos qualquer autoridade para negar que ele realmente age miraculosamente para propósitos que escapam à nossa compreensão.


[i] Bertha Spafford Vester, Our Jerusalem: An American Family in the Holy City, 1881–1949 (Garden City, NY: Doubleday & Company, 1950), 31.

[ii] Nathanaël Weiss, Naufrage de la Ville-du-Havre et du Loch-Earn; souvenirs personnels (Paris, A La Librairie, 1874), 111. Translation mine.

[iii] Ibid., 34.

[iv] Ibid., 41.

[v] Ibid.

[vi] Ibid., 40.

[vii] Ibid., 47-48.

[viii] Ibid., 139.

[ix] Ibid., 131.

[x] Vester, Our Jerusalem, 22.

[xi] Ibid.

[xii] Ibid., 39.

[xiii] Ibid., 160.

[xiv] Ibid., 160-161.

[xv] Ibid., 160.

[xvi] Ibid., 129-130.

Rally de Ônibus – para Rir (ou O Poder Público Omisso – para Chorar)

Trabalhei por quase uma década em uma pequena congregação batista, no bairro de Guaxindiba, município de São Gonçalo, a cerca de 40 minutos da cidade do Rio de Janeiro, na condição de pastor auxiliar da igreja-mãe. O muro das dependências da congregação, de cor pêssego, aparece no lado esquerdo das imagens. Em dia seco, já era difícil caminhar nas ruas. Agora, imagine em dias de chuva!

A integridade dos calçados das pessoas era afetada e, a saúde delas próprias, colocada em risco. Danifiquei vários carros ali, que também ficaram diversas vezes agarrados na lama. Em outros lugares, “as mina pira”; mas, ali, “as mina leptospira”.

Uma indignidade que se mantém, enquanto se sucedem os governantes. Esse vídeo foi visto por mais de 15 milhões de pessoas.

Universidade “de” Harvard?

Com muita frequência, vejo em textos jornalísticos o nome “Universidade de Harvard”. Mas Harvard não é um lugar e sim o sobrenome do patrono da universidade, o pastor John Harvard. Do mesmo modo, diz-se “Universidade de Yale/Cornell/ Stanford”, com se esses nomes fossem de localidades. Mas são sobrenomes de Elihu Yale, Ezra Cornell e Leland Stanford Junior. Pelo exposto, reforçado pelo fato de não dizermos “Universidade de Estácio de Sá” e “Universidade de Cândido Mendes”, por exemplo, por que não dizer Universidade Harvard/Yale/Cornell/Stanford etc., sem a indevida preposição?

Quando um redator se depara com um nome em um texto em outra língua, o qual está traduzindo, é recomendável procurar entendê-lo. No caso de Harvard, ver-se-á que a universidade está sediada na cidade de Cambridge, em Massachussets, e que o seu nome é sobrenome do patrono. Quando escrevemos “Universidade de Stanford”, induzimos o leitor ao erro de pensar que a universidade se localiza na cidade de Stanford, que não existe.

Certa vez, uma revisora americana que trabalhava sobre um texto meu, me disse que eu colocara o nome de um autor no lugar errado, na referência bibliográfica: no lugar da cidade da publicação. Mas ela não sabia que Milton Keynes era o nome de uma cidade inglesa, justamente onde se localizava a editora do livro.

Mauro Gama escreveu no prefácio à segunda edição do Dicionário de Provérbios: francês, português, inglês, de Roberto Cortes de Lacerda, Helena da Rosa Cortes de Lacerda e Estela dos Santos Abreu: “Quem traduz um texto tem de traduzir o seu contexto. Histórica e geograficamente. Como isso não costuma ser observado, a confusão aparece em toda parte.”[1] Gama diz ainda que vivemos “numa terra culturalmente invadida, devorada por trêfego processo de neocolonização, em que um inglês não sabido, mas cobiçado, arremedado, […] se infiltra em toda parte, permeia todo o nosso e, às vezes, as nossas melhores reservas de tolerância.”[2]

[1] 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: UNESP, 2004, p. xiv.
[2] Ibid., p. xiii.

A carro entornado todos dão de mão

Uma carreta transportando leite em caixas quebrou e, à margem da rodovia, foi saqueada por locais. O motorista assistia a patética cena, assustado.

Um pequeno caminhão que transportava calçados, tombou na descida da serra de Petrópolis. Locais carregavam pilhas de caixas de calçados.

Uma carreta tombou na descida da Serra das Araras. Locais e motoristas que passavam levaram muito iogurte para casa.

Há gente desonesta para todo lado. Ninguém se junta para proteger a carga e ajudar os motoristas que devem ficar com medo.

Mas suspeito que saquear carro de carga na estrada não foi uma invenção brasileira. Diz um provérbio português do século XVI: A carro entornado todos dão de mão. Ei, “todos”, não!

Mas aqui os veículos de carga não são saqueados somente quando quebram ou se acidentam; são levados rodando, sequestrados, com o motorista, por criminosos.

No estado indiano de Mizoram, há um código de ética chamado de tlawmngaihna, que pode ser traduzido por altruísmo, mas envolve outras coisas: honestidade, paciência, disciplina. Espera-se que todo mizo seja generoso com o próximo. Isso está tão enraizado na cultura de lá, que não ajudar quem precisa ou buzinar no trânsito é considerado atitude de um “não mizo”. Agricultores põem um pouco de sua produção à beira da estrada, por exemplo, para quem precisar. Podem ser frutas, verduras etc.

“Ei rawh u”, escrito com carvão no asfalto, significa “Coma-as”. As bananas estão postas à margem da estrada, para quem quiser comer livremente. (Foto: Juliet Chhangte. Usada com permissão.)

Tenho certeza de que não poucos brasileiros parariam ali e levariam todas pencas de bananas. Estou errado? Temos que “levar vantagem em tudo”, como diz o preceito maldito.

Leia O Fascinante Povo Mizo, Índia, Exemplo de Generosidade para o Mundo

Descomplicando a Fé Cristã
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